Tânia Consentino, CEO da Microsoft Brasil, participou do evento Rec’n’Play em Recife e falou sobre a Inteligência Artificial no País e no Mundo
A CEO da Microsoft Brasil, Tânia Consentino, falou sobre inclusão, mundo tecnológico e da falta de mão de obra no setor. Ela faz previsões preocupantes, como a eliminação de 11 milhões de vagas, mas defende que a capacitação pode mudar o quadro e a economia do País.
Confira alguns trechos da entrevista concedida ao Leonardo Spinelli, pouco antes do início do evento:
Que mensagem você quer passar para o público?
Diversidade de inclusão, principalmente no mundo tecnológico que a gente tem um gap de mulheres. Somente 15% dos alunos matriculados em cursos de Ciência da Computação e Engenharia são mulheres. E aí, um grupo de executivas vai debater a importância de se atrair mulheres para esse mundo da tecnologia. Depois almoço com líderes empresariais mulheres da região e no final da tarde eu vou falar um pouco de tecnologia. E aí, eu entro na transformação da Microsoft: as inovações que a gente está trazendo e o que impacta na sociedade, planeta e economia e, como empresa, como a gente pode embarcar essa inovação para melhorar o nosso negócio e ao mesmo tempo mantendo responsabilidade com os trabalhadores e sociedade. Vou falar da nossa própria transformação, nós temos uma história de 45 anos super-bacana, sempre inclusiva, desde a formação da empresa com Bill Gates e Paul Allen que tinham como proposta colocar um computador em cada mesa. Nos anos 60 se falava que o mundo comportaria cinco computadores pessoais. Depois que eles falaram que a gente poderia, sim, democratizar e colocar o computador em cada mesa. Parecia algo meio revolucionário para época. Hoje o computador está na palma da nossa mão e não mais na mesa.
Agora a gente tem falado de novas tecnologias e a nuvem é uma delas. Ela habilita qualquer empresa a ter intensidade tecnológica digital muito grande sem necessariamente ter que investir em infraestrutura de IT, o qual, normalmente, não é o core business da empresa. Então você como startup ou mesmo como uma grande empresa pode destinar o principal investimento para o seu core business e aproveitar de uma tecnologia (nuvem) para trabalhar com um grande volume de dados, a fim de gerar insights.
Hoje a sociedade tem a preocupação com a privacidade. Como a Microsoft lida com isso?
Toda a nossa plataforma colaborativa do ambiente de trabalho da família Office, ou a nossa nuvem, ou nossos business applications, enfim, todos os pacotes que trabalhamos vem para atender a legislação de dados e já foram desenhados para a Lei Europeia, isto é, para o GDPR, o qual é um "pouquinho" mais rigoroso que a Lei Brasileira.
As ferramentas são desenhadas para garantir a acessibilidade. Então, pessoas com limitação cognitivas e físicas também conseguem ter funcionalidades especiais na plataforma.
Também há uma série de features que reduzem os riscos de cyberataques, como por exemplo: a identificação das pessoas que estão utilizando uma dupla localização. Temos uma série de recursos nas nossas áreas de soluções que habilitam a trabalhar melhor no mundo da LGPD (Lei de Proteção de Dados Pessoais). E aí, quando você trabalha no mundo dos dados é fácil identificar qual dado é confidencial e qual não é. Quando você trabalha com e-mails ou, às vezes, as planilhas que ficam na máquina; como a gente trabalha com isso, já temos pacotes que identificam qual dado é aparentemente crítico e, então, conseguimos parametrizar as ferramentas para que protejam aquele cliente. A Microsoft é uma das empresas que mais defende não só privacidade dos dados, mas a regulamentação da aplicação da tecnologia até para que não ocorram abusos. Tem muita gente que acha que os dados são públicos. Não, você é dono dos seus dados. Eu tenho o direito de dizer se você vai usar meus dados ou não e, além disso, quais dados meus você pode usar.
A gente (Microsoft) tem liderado no mundo debates sobre o tema da importância da privacidade e da ética da Inteligência Artificial. A forma que você vai programar um algoritmo, caso tenha algum preconceito, pode programar levando seus próprios bloqueios. Então, como garanto que um algoritmo para uma determinada aplicação, como um carro autônomo ou uma máquina que está operando um robô de call center, como eu garanto que essas máquinas são programadas de uma maneira que irão atender todo mundo de uma forma igualitária e respeitosa, sem ferir a ética? Estes são debates que estamos levando à sério e temos até um grupo que cuida da Ética na Inteligência Artificial.
A senhora poderia falar um pouco das aplicações da Inteligência Artificial aqui no Brasil?
Vou dar um exemplo de um grande debate que é o Crescimento Econômico e o Meio Ambiente: Há pessoas que acreditam que precisamos de mais área para ter o desenvolvimento do setor agrícola. Eu não preciso de mais área, mas sim de mais tecnologia. O nosso setor já embarca alguma tecnologia, porém no momento em que você insere a Inteligência Artificial empodera o ser humano. A IA (Inteligência Artificial) capta um vasto volume de dados transformando-a em insights para os negócios. Fizemos parceria com a Coopercitrus, uma cooperativa de São Paulo, e o grande desafio do produtor é a rentabilidade e às vezes a falta previsibilidade com a sua colheita e custo de todo processo de produção. De colocar nutrientes, controle de pragas e mesmo com maquinários, ainda tem tarefas executadas de forma manual. Esse tempo poderia ser reduzido. Em parceria com a Logicalis, colocamos drone sobre o campo, que mapeia com tecnologia de Reconhecimento Visual as áreas a serem plantadas. A captura das imagens e em função da coloração do solo é possível saber o tipo de nutriente que aquele determinado espaço de solo necessita. Então, eu posso aplicar através de uma máquina, exatamente a quantidade de nutrientes que eu preciso na região identificada. Antes eu pegaria uma pessoa para tirar amostras e ter de realizar diversos testes de laboratórios de cada espaço. Ainda, tais análises não eram em tempo real, a demora era de no mínimo semanas, o que você pode fazer agora em poucas horas. Isso já aumentou significativamente a produtividade da Coopecitrus e estão expandindo essa operação para mais cooperados e ampliando a aplicação da tecnologia para o controle de pragas. Se você identifica o tipo de praga, você pode colocar o produto especificamente para aquele tipo de praga e não é preciso pulverizar a colheita inteira com todos os tipos de agrotóxicos. Somente a área afetada com o agrotóxico específico. Portanto tenho a redução de custo de produção comprando menos produtos e menos impacto ambiental. Esse é um exemplo, mas podemos aplicar na área da saúde, do trabalho, nos treinamentos e em qualquer outro segmento do mercado.
Como a Microsoft lida com o problema da falta de mão-de-obra especializada no Brasil?
Esse é um problema para Microsoft, assim como para todo o setor de tecnologia. Temos 13 milhões de desempregados no Brasil e, segundo a Brasscom, entidade que está no setor de Telecomunicações e Tecnologia da Informação, o Brasil tem um gap hoje de quase 400 mil pessoas. Todo ano formamos cada vez menos profissionais em Tecnologia. É uma área que as pessoas perderam o interesse. Hoje o Brasil forma menos pessoas em STEM (sigla em inglês para Tecnologia, Engenharia e Matemática) em comparação ao resto do mundo: 15% do total de graduados finalizam o Ensino Superior contra 25% a 30% para o resto do mundo. Portanto, não estamos formando os futuros engenheiros e cientistas de dados. Já temos um grande gap, todo ano formamos metade da demanda e essa demanda é crescente.
Fala de mercado de nuvem, multiplica por dois as inúmeras oportunidades que irão aparecer. Falamos que toda empresa é empresa de software porque qualquer uma está contratando programadores. Você fala que é jornalista, mas se você não tiver envolvimento com tecnologia daqui a cinco, dez anos irá estar fora do mercado. Todo mundo terá de saber mexer em alguma proporção com tecnologia. E os desenvolvedores são os profissionais que mais faltam. Então, esse é o retrato. 400 mil de gap hoje e a gente forma 30 mil por ano para 70 mil de demanda e tudo isso com um número muito pequeno de mulheres. Então, o que faço para atrair?
O segundo ponto é que a gente estima que a Inteligência Artificial irá extinguir no Brasil 11 milhões de empregos e no mundo vai acabar com 400 milhões de empregos. Estudo da McKinsey.
Contudo, ela cria outros empregos, assim como a Automação destruiu vários empregos e criou outros. Então, como eu melhoro o nível desses 11 milhões de pessoas? Em cima dos 13 milhões é um panorama complicado. Num estudo que fizemos com a Fundação Getúlio Vargas, mostra que a Inteligência Artificial inserida em um cenário mais favorável ao seu desenvolvimento pode trazer até 6 pontos percentuais adicionais ao PIB no intervalo de até 10 anos, caso você esteja preparado para lidar com ela. Dado este quadro estamos aplicando outro lançamento que é o Programa de Qualificação em Inteligência Artificial junto com o SENAI. Tal programa já está em português e estamos acelerando para traduzir mais cursos, não somente a modalidade online. Temos o Academ.ia também. Junto com ele temos o Movimento Brasil Digital, um grupo de executivos da área de TI, educação e Telecomunicações que tentamos movimentar a sociedade, setor privado e público para atentar a este problema. O governo sozinho não consegue. Vamos fazer o lançamento em Novembro. São todas as empresas de tecnologia se mobilizando para qualificar a mão de obra. Se não tivermos pessoas qualificadas vamos ficar no pior cenário do estudo da FGV e perderemos competitividade em nível global. A Microsoft enxerga a Inteligência artificial como meio de tirar o Brasil da estagnação econômica para ter os ganhos de produtividade almejados e retomar a pujança da indústria. Acelerar agora a indústria sem ampliar os impactos, melhorar a gestão na Saúde e trazer a Tecnologia da Saúde para os cidadãos e profissionais.
Então a tecnologia pode resolver o problema da produtividade em curto prazo…
No curto e no longo prazo. A gente vê países no mundo que estão super alavancados em uso de tecnologia: China e Índia que já se posicionou como produtor de software e hoje estão acelerando no treinamento e educação, portanto, fazem grandes investimento definir a vocação do País. Quais tipos de cérebros eu quero criar? Quais tipos de competências eu quero exportar? Eu posso não só alavancar a indústria, mas criar pools de cérebros. Só agora a gente percebe ecossistemas de startups se destacando e unicórnios brasileiros aparecendo. O Brasil tem a riqueza e exploração do mineral, mas não do capital humano. Muita gente só precisa de oportunidade. A Microsoft também tem programas focados para meninas programadoras, elas não têm o menor interesse, usamos jogos e nada funciona.
Como vocês querem atrair as meninas?
Estamos fazendo muitos eventos. Então, vamos nas ONGs, levamos ferramentas para meninos e meninas e a ONG faz capacitação e complementação de tecnologia. Temos feito eventos para mulheres jovens para atraí-las. Também temos a campanha What’s next? Por que a menina não pode ser cientista de dados ou encontrar a cura do câncer? Então, a gente tem feito essas perguntas. Nesse programa, no Youtube você encontra muita coisa, perguntamos: Me fala nome de uma inventora? Ninguém se lembra das mulheres. Se você não tem referência, você não se projeta como inventora ou cientista.
Matéria publicada por JC Online (em 02/10/2019)
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